
É ilícito agente de inteligência atuar como infiltrado sem autorização
Nesta terça-feira, 26, a 2ª turma do STF considerou ilícita a atuação de agente policial em caso da advogada Eloisa Samy Santiago, acusada com outras duas dezenas de ativistas de participar de atos violentos nos protestos de 2013 e 2014. A turma declarou nulas as provas obtidas por policial designado como agente de inteligência que, na prática, atuou como agente infiltrado sem autorização judicial.
A advogada, denunciada por associação criminosa, alega que a acusação se baseia num único policial infiltrado que diz tê-la visto dando ordens para “começar a quebradeira” num ato em Copacabana. A defesa da causídica é feita pela OAB/RJ, que pretende que seja reconhecida a ilicitude da prova do depoimento do policial, e, assim, a ausência de justa causa para a ação penal.
Nas instâncias inferiores, a advogada foi condenada com base nos depoimentos e provas de agente policial militar que estava no Rio de Janeiro para recolher informações para as Forças de Segurança Nacional, no intuito de elaborar plano de segurança para a Copa do Mundo.
No STJ, ficou assentado que a decisão impugnada deixa “claro que o referido agente não atuou com o intuito de investigar a suposta existência da organização criminosa em questão, tampouco se fez passar por um dos seus membros para o fim de com eles interagir, mas, sim, no exercício da função para a qual foi legitimamente designado, agente de inteligência da Força Nacional, coletou informações sem nenhuma vinculação a uma organização criminosa específica e, nessa condição, prestou seu depoimento nos autos da ação penal”.
Ilicitude
O ministro Gilmar Mendes, relator, consignou no início do voto que é importante a distinção entre o agente infiltrado e o agente de inteligência. O relator mencionou o voto vencido no STJ do ministro Schietti, para quem na atuação do PM restou configurada a ilicitude, pois na prática agiu como agente infiltrado sem autorização legal:
“Conforme exposto no voto do ministro Rogério Schietti, em essência a distinção se dá em razão da finalidade e amplitude da investigação. Enquanto o agente de inteligência tem uma ação preventiva e genérica, buscando informações de fatos sociais relevantes ao governo, o agente infiltrado possui finalidade repressiva e investigativa, visando a obtenção de elementos probatórios relacionados a fatos supostamente criminosos e organizações criminosas específicas.”
Na análise do caso concreto, Gilmar concluiu que, no curso da investigação, “houve no curso da investigação verdadeira e genuína infiltração, cujos dados embasaram a condenação”.
“Com efeito, o policial militar não precisava de autorização judicial para, nas ruas, colher dados destinados a orientar o plano de segurança da Copa do Mundo. Mas no curso de sua atividade originária, infiltrou-se no grupo do qual supostamente fazia parte a paciente para assim proceder a autêntica investigação criminal para a qual a lei exige autorização judicial.
Evidente a clandestinidade da prova produzida. O policial militar, sem autorização judicial, ultrapassou os limites da atribuição que lhe foi dada e agiu como incontestável agente infiltrado. A ilegalidade portanto reside na sua infiltração, inclusive ao ingressar em grupos de mensagens e participar de reuniões do grupo a fim de realizar investigação criminal específica. A partir do momento que passou a obter confiança de elementos do grupo específico e obter provas, é agente infiltrado, e deveria ter sido autorizado. As provas não podem ser utilizadas.”
Após concluir pela ilicitude da infiltração, o relator analisou os trechos da sentença condenatória, e afirmou:
“Considerando que as instâncias ordinárias reconheceram que inexistiu a prévia autorização judicial, impõe-se a ilicitude na sua atuação como agente infiltrado. Suas informações não podem servir como elementos probatórios de ação penal. Da leitura da sentença vê-se que a condenação se pautou nos dados coletados pelo policial militar. Mesmo com a remissão a outras provas, elas decorrem da clandestina infiltração.”
Assim, concluiu, é o caso de declaração da nulidade da sentença. O relator concedeu então parcialmente a ordem para declarar a ilicitude do infiltramento do policial e dos depoimentos prestados. Ao acompanhar o relator, o ministro Edson Fachin também destacou o voto vencido do ministro Schietti, do STJ: “A distinção mais saliente restou esquadrinhada de maneira exemplar no voto vencido do ministro Schietti. S. Exa., em diversas passagens, em extenso e aprofundado voto, fez a diferença entre infiltração de policiais e infiltração de agentes de inteligência, tirando dali conjunto de consequências que derivam da legislação incidente à matéria.”
A ministra Cármen Lúcia e o ministro Lewandowski também seguiram o relator. O presidente da turma afirmou: “Esse tipo de atuação exige sim autorização judicial. O Poder Judiciário é o guardião último dos direitos e garantias fundamentais. E aqui ficou claramente caracterizada essa hipótese. Um agente policial infiltrou-se em organização determinada sem autorização judicial. Portanto provas e depoimentos colhidos devem ser declarados ilícitos.”
- Processo: HC 147.837
Fonte: https://www.migalhas.com.br